quinta-feira, 27 de agosto de 2009

CAPITULO DE ROMANCE INÉDITO DE FREI JOSÉ MILTON


CAPÍTULO XIV

CÂNTICO DOS CÂNTICOS

O que se passara no coração do Padre Alfredinho no diálogo silencioso com Cristo naquele domingo do encontro no Convento Franciscano, na Serra da Baixa Verde, em Triunfo, só Deus o sabe.
Mas podemos imaginá-lo a partir dos escritos de Alfredinho e de outros que ele conservava naquela caixa levada pelos agentes do DOPS:

CÂNTICO

Meu Bem-Amado,
Ouve o canto
que mil vezes por dia
minha alma te dirige
a partir deste chão.
Pobres as palavras,
Pobres os acentos e modulação.
A voz cansada
vence as barreiras da descrença,
esperando contra toda esperança.
Bem sei:
Espreitas-me pelas fendas dos lagedos
eriçados de macambiras.
Bem sei:
Persegues-me nas veredas defendidas
pelas hordas de mandacarus.
Bem sei:
O grito da ema selvagem
traduz o teu coração errante,
à procura da fraca criatura,
ovelhinha tresmalhada
a quem escondes (até quando?)
A tua face.
Mas, se é teu prazer fazê-lo,
até quando, Senhor,
até quando,
a esconderás,
para que teu servo refaça,
cada instante,
os caminhos da procura,
para que trilhe cada dia
as sendas da libertação?
Desmorone
o bezerro de ouro
do dinheiro,
da fama,
do poder.
Que o coração do teu servo,
vencida a caminhada pascal
(pelo Mar Vermelho do Consumismo)
não sacrifique aos ídolos deste país,
e possa cantar com teu povo resgatado
o Cântico dos Cânticos
na Terra Prometida.

SALMO

Infunde em mim, Senhor, o teu Espírito.
Dá-me um coração de pobre
para que eu possa compreender
o grito de todos os irmãos
famintos,
abandonados,
empobrecidos.

Infunde-me, Senhor o teu Espírito,
e afasta de mim a vaidade
de viver para os pobres
e não viver com os pobres;
de fazer para os pobres
e não fazer com os pobres;
de pensar e agir pelos pobres
ao invés de ajudar os pobres
a pensar,
a agir
e serem sujeitos de sua própria libertação.

Infunde-me, Senhor, o teu Espírito
e afasta de mim a tentação
de responder com violência
à Violência do Sistema,
seja ela:
- a Ordem estabelecida,
- o Desenvolvimento sem alma,
- a Tecnologia opressora,
- a Lei de Segurança Nacional

Infunde-me, Senhor, o teu Espírito
e faze de mim
um instrumento da tua Libertação.

( Recife, 06-11-1984)

Fr. José Milton, ofm

PENSAMENTOS

“Eis o jejum que eu escolhi, diz o Senhor: quebra toda cadeia de injustiça, desata os laços dos pactos violentos, deixa livre os oprimidos, e rasga todo contrato iníquo. Parte teu pão com os famintos; ao veres um nu, cobre-o; faze entrar em tua casa aqueles que não têm teto” (Is 58,7. Ver também: Ez 18,7; Mt 25,36).
*
“Envergonhai-vos, vós que retendes os bens dos outros; imitai a justiça de Deus e não haverá pobres.”

Do Apóstolo S. Pedro, citado por S. Gregório Nazianzeno em seus Sermões (em Liturgia das Horas, Ofício das Leituras, Edições Paulinas, São Paulo, 1978, pg. 176).
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“O amor de Deus ocupa o primeiro lugar na ordem dos preceitos, mas, na ordem da execução, o primeiro lugar cabe ao amor ao próximo.”

Do Tratado de Santo Agostinho sobre o Evangelho de São João (em Liturgia das Horas, Ofício das Leituras, Edições Paulinas, São Paulo, 1978, pg. 116).

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“Deve-se preferir o serviço dos pobres a tudo o mais e prestá-lo sem demora. Portanto, ao abandonardes a oração a fim de socorrer a algum pobre, isto mesmo vos lembrará que o serviço é prestado a Deus... Por conseguinte, prestemos com renovado ardor nosso serviço aos pobres, de modo particular aos abandonados, indo mesmo à sua procura, pois nos foram dados como senhores e protetores.”

S. Vicente de Paulo, Os Escritos de S. Vicente de Paulo, presbítero, Epist. 2546; Correspondance, entretiens, documents, Paris, 1922-1925, 7, (em Liturgia das Horas, Ofício das Leituras, Edições Paulinas, São Paulo, 1978, pg. 1567).

*
“Aplaquem-se os raios do Céu com as contrições da terra!
(...) Se Ezequiel não Vos pode obrigar a desistir do castigo dos Restos de Israel, Joel vos obrigará a que perdoeis ao povo de Pernambuco, só por uma razão, só por uma palavra: porque é vosso Povo. Perdoai ao vosso Povo.”

Do Missionário Franciscano Frei Antônio do Rosário, Carta de Marear, escrita no Convento de Ipojuca (século XVII).
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“Saber tudo e não saber o que é necessário saber, é nada saber.
Fazer tudo e não fazer o que é necessário fazer, é nada fazer.
Nada saber a não ser o que é verdadeiramente necessário saber, é tudo saber.
Nada fazer a não ser o que é verdadeiramente necessário fazer é tudo fazer.”

São João da Cruz, Máximas Espirituais.

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“Quem está totalmente despojado de toda potência, no sacrifício terá sempre a vitória.”

A. Soljenitsyne, em Fredy Kunz, A Ovelhinha de Urias, Edições Louyola, São Paulo, 1979.
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"A forma mais elaborada da oração é o silêncio e a esperança”.

De Abraham S. Heschel, O Homem à Procura de Deus.

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"Há criaturas como a cana:
mesmo postas na moenda,
esmagadas de todo,
reduzidas a bagaço,
só sabem dar doçura."

Dom Hélder Câmara

(Em Georgio Paleari, Padre Alfredinho, na Internet)

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“O pensamento marxista e monástico têm em comum uma atitude radical em relação às estruturas estabelecidas na sociedade.
Mas eles se separam também radicalmente na revolução que eles pregam.
O marxista se empenhando em mudar o mundo sócio-econômico; e o monaquismo em mudar primeiramente o homem interior pela conversão.
Thomas Merton, em “A Ovelhinha de Urias” de Fredy Kunz, pg. 22.

ESCLARECIMENTO: O que agora publico é uma amostra do meu romance ainda inédito, SABURÁ (saga das Comunidades Eclesiais de Base). O romance tem como um dos personagens principais o Padre Alfredinho. Ele sabia que Frei José Milton o estava tomando como uma das principais figuras de um romance em torno das CEBS. Concordou com isto, quando conversei com ele por ocasião de um breve encontro que tivemos em Olinda. Já o tinha conhecido no Ceará, quando trabalhei no Regional denominado então NEI de 1973 a 1975. Sabia de seu testemunho de vida em Tauá, na Diocese de Crateús. Mas só recentemente, através da Internet, foi que fiquei sabendo melhor quem era Alfredinho, tomando também conhecimento das circunstâncias de sua morte e aspectos de sua ação missionária que escaparam ao meu conhecimento. Como gostaria de ter passado para ele os originais do meu romance, para ouvir a sua opinião antes de publicá-lo. Sei que lá do céu me vem uma inspiração que só posso atribuir a ele. Inclusive o fato de ter perdido os originais ainda incompletos e, depois de anos, encontrá-los. Quando pensava que estava tudo perdido, encontrei-os como os tinha deixado. Estavam tão bem guardados, que um dia seriam encontrados. Só agora tenho realmente condições de concluí-lo.

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